Bruxelas, capital da
Europa.
Ou, talvez, Bruxelas: a
Torre de Babel.
Antes de vir morar
aqui, eu não sabia que Bruxelas é a capital da União Europeia.
Se fosse simplesmente
uma capital nacional, como Londres, Madri ou Paris, já arrastaria para cá as
inúmeras embaixadas, consulados e demais representações que conhecemos. Mas
não, Bruxelas além de capital da Bélgica é também capital União Europeia. Aqui estão o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e
o Conselho: ou seja, além de todas essas embaixadas e consulados, encontram-se
aqui uma miríade de missões e representação junto à UE, escritórios jurídicos,
econômicos, organizações internacionais e ONGS. Como se não bastasse, até a
sede da OTAN fica aqui.
Disso, você já pode
tirar que é difícil encontrar um belga na rua.
Esbarro em espanhóis,
franceses, ingleses, húngaros, croatas, romenos, alemães, portugueses,
italianos, americanos e por aí vai. E não se esqueçam dos brasileiros: somos uns
40 mil brasileiros vivendo na Bélgica! A maioria em Bruxelas. Já somos tantos
que, se fizéssemos parte da União Europeia (algo continentalmente impossível de
se supor), certamente inundaríamos de verde e amarelo as ruas daqui.
É graças a grande comunidade
de brasileiros e portugueses, que encontro algumas lojinhas especializadas com
leite condensado Moça, farinha de quibe, farinha para farofa, pão de queijo,
goiabada, feijão, etc. É sempre bom matar saudades.
No caso dos brasileiros,
a maioria dos que aqui vem trabalhar atua na construção civil ou nos trabalhos
domésticos. Minas e Goiás lideram os estados de origem.
Bruxelas é tão cosmopolita,
que é difícil aprender uma língua aqui. Todo dia usamos um pouco de tudo: é
espanhol com o gerente do banco, com o caixa de uma lanchonete que, ao olhar
para você, já sai falando em espanhol; é inglês quando seu francês vai muito
mal; é português de Portugal com algum atendente de loja ou garçom; e o bom
mineirês ou goianês com os brasileiros que encontro: isso sim é que mata
saudade!
Um amigo meu, que já
esteve algumas vezes na Comissão Europeia, assistiu a uma cena inusitada: os
tradutores das reuniões estavam em sua pausa do café e conversavam: cada um em
sua língua! Sim, um falava em inglês, o outro respondia em espanhol, o terceiro comentava em italiano e o último soltava uma piada em alemão. E eles se
entendiam assim! Os tradutores de Bruxelas estão criando uma língua franca
entre eles.
Como se vê, não estamos
inteiramente imersos no francês (uma das línguas oficiais do país), como
estaríamos em alguma cidadezinha da França. Nem estamos inteiramente imersos no
holandês (a outra língua oficial do país). E, se quisermos, podemos ir subindo
os degraus dessa torre sem falar francês: é só pular do inglês para breves
frases em outras línguas.
O problema é que, uma hora
a conta será cobrada. E ela é sempre cobrada quando você mais precisa: por
exemplo, quando seu aquecedor quebra e o técnico da manutenção – olha só – não fala
inglês... Ou a operadora da Belgacon (a companhia de telefonia, internet e TV) que
também diz não falar inglês, nem português, nem espanhol.
Em vista disso, aqui em
Bruxelas eu preciso me forçar a falar francês: nada de usar o inglês para ser
melhor entendida. Esse é um mantra que nem sempre coloco em prática, mas estou me
esforçando.
É aí que entra a
Aliança Francesa de Bruxelas, a materialização da Torre de Babel. Esqueça seus
cursos de línguas no Brasil, aqueles que você fazia na sua adolescência, onde
todos tinham a sua idade e eram nascidos na mesma cidade. Na Aliança Francesa
de Bruxelas temos dos jovens aos coroas: todo o espectro da idade
economicamente ativa. Ninguém está ali por amor a uma língua, todo mundo
precisa aprendê-la para viver no país ou procurar trabalho. Na minha turma nós
temos uma romena, algumas espanholas, um grego, uma americana, uma irlandesa, uma
eslovena, uma japonesa, alguns alemães; etc. Nós temos até uma belga! Sim, uma belga
flamã, da parte de língua holandesa do país. Ela é, certamente, a que tem o
melhor francês da turma, mas está lá para dar uns retoques na gramática.
E é ali, naquela sala,
que eu vejo a leve animosidade entre os povos. Aquele fogo fátuo já tão
antigo... Lembro-me da professora pedir para que trouxéssemos uma piada a ser
contada na sala. O alemão se assustou e perguntou se era um exercício para a
próxima semana, a professora disse que não: era para a próxima aula.
Imediatamente, a espanhola que estava do meu lado riu e me disse: “há, olha o
alemão”! Como quem diz: nunca vai conseguir contar uma piada. Por sinal, contra
os alemães, houve alguns momentos embaraçosos na sala. Momentos em que eles não
achavam graça das piadinhas que eram feitas contra sua nacionalidade.
Foi nessa aula da piada
que percebi, na prática, que os conceitos e preconceitos devem ser partilhados
entre comediante e público para que haja a graça. Também percebi que nas
culturas onde a mãe tem uma presença forte (como a brasileira, a grega, a
espanhola e a italiana), existem piadas de sogra. Claro: essas mães estão lá, infernizando
os cônjuges dos filhos. Mas nas culturas onde a mãe exerce seu papel e depois se
torna distante (como a alemã e até a francesa), as piadas de sogra não fazem
sentido. O grego trouxe uma piada de sogra que poucas pessoas entenderam: “Quando
um relacionamento acaba pode-se culpar duas pessoas: a mulher e a mãe dela”. A
professora não partilhava desses preconceitos e não adiantávamos explicar, ela
não entendia.
Gosto também quando a
americana percebe que determinada palavra em francês é muito semelhante ao “original”
em inglês e a professora diz que não: na certa a palavra francesa veio antes,
originária do latim. E começa-se uma pequena discussão entre as duas, na qual é
reconfortante olhar para o grego e perceber que ele está rindo delas.
Os gregos estão em um
mau momento econômico e seguem imigrando para diversos países europeus, como a Bélgica.
Mas eles ainda podem – e sempre poderão – rir de todos nós.
(Happy hour dos "eurocratas" na Place du Luxembourg toda quinta-feira. Ao fundo, o Parlamento Europeu)
(Casal de "eurocratas", na certa cada um de uma nacionalidade, paquerando na Place du Luxembourg)
E um feliz natal da Grand Place para todos!
Este choque cultural é, de fato, muito curioso e estimulante! Cada vez mai sedimento o entendimento de que a riqueza da vida etá justamente em conhecer e (buscar) compreender o diferente.
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