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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Quarto post: Capital da Europa!


Bruxelas, capital da Europa.
Ou, talvez, Bruxelas: a Torre de Babel.
Antes de vir morar aqui, eu não sabia que Bruxelas é a capital da União Europeia.
Se fosse simplesmente uma capital nacional, como Londres, Madri ou Paris, já arrastaria para cá as inúmeras embaixadas, consulados e demais representações que conhecemos. Mas não, Bruxelas além de capital da Bélgica é também capital União Europeia. Aqui estão o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho: ou seja, além de todas essas embaixadas e consulados, encontram-se aqui uma miríade de missões e representação junto à UE, escritórios jurídicos, econômicos, organizações internacionais e ONGS. Como se não bastasse, até a sede da OTAN fica aqui.



Disso, você já pode tirar que é difícil encontrar um belga na rua.
Esbarro em espanhóis, franceses, ingleses, húngaros, croatas, romenos, alemães, portugueses, italianos, americanos e por aí vai. E não se esqueçam dos brasileiros: somos uns 40 mil brasileiros vivendo na Bélgica! A maioria em Bruxelas. Já somos tantos que, se fizéssemos parte da União Europeia (algo continentalmente impossível de se supor), certamente inundaríamos de verde e amarelo as ruas daqui.
É graças a grande comunidade de brasileiros e portugueses, que encontro algumas lojinhas especializadas com leite condensado Moça, farinha de quibe, farinha para farofa, pão de queijo, goiabada, feijão, etc. É sempre bom matar saudades.


No caso dos brasileiros, a maioria dos que aqui vem trabalhar atua na construção civil ou nos trabalhos domésticos. Minas e Goiás lideram os estados de origem.
Bruxelas é tão cosmopolita, que é difícil aprender uma língua aqui. Todo dia usamos um pouco de tudo: é espanhol com o gerente do banco, com o caixa de uma lanchonete que, ao olhar para você, já sai falando em espanhol; é inglês quando seu francês vai muito mal; é português de Portugal com algum atendente de loja ou garçom; e o bom mineirês ou goianês com os brasileiros que encontro: isso sim é que mata saudade!
Um amigo meu, que já esteve algumas vezes na Comissão Europeia, assistiu a uma cena inusitada: os tradutores das reuniões estavam em sua pausa do café e conversavam: cada um em sua língua! Sim, um falava em inglês, o outro respondia em espanhol, o terceiro comentava em italiano e o último soltava uma piada em alemão. E eles se entendiam assim! Os tradutores de Bruxelas estão criando uma língua franca entre eles.
Como se vê, não estamos inteiramente imersos no francês (uma das línguas oficiais do país), como estaríamos em alguma cidadezinha da França. Nem estamos inteiramente imersos no holandês (a outra língua oficial do país). E, se quisermos, podemos ir subindo os degraus dessa torre sem falar francês: é só pular do inglês para breves frases em outras línguas.  
O problema é que, uma hora a conta será cobrada. E ela é sempre cobrada quando você mais precisa: por exemplo, quando seu aquecedor quebra e o técnico da manutenção – olha só – não fala inglês... Ou a operadora da Belgacon (a companhia de telefonia, internet e TV) que também diz não falar inglês, nem português, nem espanhol.
Em vista disso, aqui em Bruxelas eu preciso me forçar a falar francês: nada de usar o inglês para ser melhor entendida. Esse é um mantra que nem sempre coloco em prática, mas estou me esforçando.
É aí que entra a Aliança Francesa de Bruxelas, a materialização da Torre de Babel. Esqueça seus cursos de línguas no Brasil, aqueles que você fazia na sua adolescência, onde todos tinham a sua idade e eram nascidos na mesma cidade. Na Aliança Francesa de Bruxelas temos dos jovens aos coroas: todo o espectro da idade economicamente ativa. Ninguém está ali por amor a uma língua, todo mundo precisa aprendê-la para viver no país ou procurar trabalho. Na minha turma nós temos uma romena, algumas espanholas, um grego, uma americana, uma irlandesa, uma eslovena, uma japonesa, alguns alemães; etc. Nós temos até uma belga! Sim, uma belga flamã, da parte de língua holandesa do país. Ela é, certamente, a que tem o melhor francês da turma, mas está lá para dar uns retoques na gramática.
E é ali, naquela sala, que eu vejo a leve animosidade entre os povos. Aquele fogo fátuo já tão antigo... Lembro-me da professora pedir para que trouxéssemos uma piada a ser contada na sala. O alemão se assustou e perguntou se era um exercício para a próxima semana, a professora disse que não: era para a próxima aula. Imediatamente, a espanhola que estava do meu lado riu e me disse: “há, olha o alemão”! Como quem diz: nunca vai conseguir contar uma piada. Por sinal, contra os alemães, houve alguns momentos embaraçosos na sala. Momentos em que eles não achavam graça das piadinhas que eram feitas contra sua nacionalidade.
Foi nessa aula da piada que percebi, na prática, que os conceitos e preconceitos devem ser partilhados entre comediante e público para que haja a graça. Também percebi que nas culturas onde a mãe tem uma presença forte (como a brasileira, a grega, a espanhola e a italiana), existem piadas de sogra. Claro: essas mães estão lá, infernizando os cônjuges dos filhos. Mas nas culturas onde a mãe exerce seu papel e depois se torna distante (como a alemã e até a francesa), as piadas de sogra não fazem sentido. O grego trouxe uma piada de sogra que poucas pessoas entenderam: “Quando um relacionamento acaba pode-se culpar duas pessoas: a mulher e a mãe dela”. A professora não partilhava desses preconceitos e não adiantávamos explicar, ela não entendia.
Gosto também quando a americana percebe que determinada palavra em francês é muito semelhante ao “original” em inglês e a professora diz que não: na certa a palavra francesa veio antes, originária do latim. E começa-se uma pequena discussão entre as duas, na qual é reconfortante olhar para o grego e perceber que ele está rindo delas.


Os gregos estão em um mau momento econômico e seguem imigrando para diversos países europeus, como a Bélgica. Mas eles ainda podem – e sempre poderão – rir de todos nós.




(Happy hour dos "eurocratas" na Place du Luxembourg toda quinta-feira. Ao fundo, o Parlamento Europeu)


(Casal de "eurocratas", na certa cada um de uma nacionalidade, paquerando na Place du Luxembourg)



E um feliz natal da Grand Place para todos!