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domingo, 22 de setembro de 2013

Terceiro post: Nós não estamos em tempo de guerra



Ando por Bruxelas e me espanto com a quantidade de placas, estátuas e demais memoriais aos mortos nas duas grandes guerras do século XX (a primeira de 1914-1918; e a segunda de 1939-1945).
Passo na frente de igrejas e vejo listas de nomes em placas de mármore fixadas nas paredes externas, lá em cima: 1914-1918. (Penso: são padres mortos na guerra? Não, me disse uma senhora, são os nomes dos fiéis dessa igreja que morreram em batalha).
Nas ruas, vejo todo tipo de listas e de lembranças. Em uma delas, fixada em um prédio da famosa Avenue Louise, leio que “em pleno dia, em 20 de janeiro de 1943, este prédio, covil da Gestapo durante a guerra de 1940-1945, foi bombardeado pelo fogo vingativo dos canhões do avião do capitão barão Jean-Michel de Selys Longchamps, do primeiro regimento de pilotos da Real Força Aérea”. Lá em cima, o símbolo alado da RAF (Royal Air Force), com a coroa britânica. Olho para a Louise e tento imaginar esse prédio em chamas: não consigo. Tento imaginar as pessoas correndo na neve para fora dos prédios próximos, os aviões passando, tropas marchando: não consigo. Mas as placas estão lá para me dizer que é tudo verdade.



Em frente ao Palácio de Justiça, há um enorme monumento aos mortos das duas guerras. À frente de soldados, cavaleiros e até de cachorros, surge uma enorme mulher alada: a paz, talvez. Ou a glória nacional. Percebo que de todas as guerras que a Europa já travou, essas duas parecerem ter chocado mais: foram 10 milhões de mortos na primeira e na segunda as estimativas variam entre 30 e 60 milhões (sendo metade destes soviéticos)! 




Entre tantas memórias e cicatrizes, me surpreendi quando descobri que até palavras são traumáticas. Explico-me: minha amiga Elaine pegou o elevador do prédio onde mora e viu fixado um aviso de reforma da rampa da garagem. Nele dizia: “Aviso aos ocupantes, a renovação da rampa das garagens começará (... o texto informava datas e tudo mais....) Obrigada pela colaboração”. Mas a palavra “ocupantes” foi riscada à caneta e corrigida por “residentes”; assim como “colaboração” foi riscada e substituída por “cooperação”. Lá em baixo, uma frase: “Nós não estamos em tempo de guerra”.



Ao que tudo indica, os traumas e a vergonha de tantos terem sido colaboracionistas com a ocupação nazista na Bélgica e nos demais países (como a França é um dos exemplos mais famosos) tornou essas duas palavras impronunciáveis: ocupação e colaboração.
Tenho certeza que o morador que rabiscou o aviso do elevador é alguém idoso, que viveu aquilo tudo. Pois nós jovens não fazemos esse tipo de associação, assim como não conseguimos visualizar o prédio da Louise em chamas: é para isso que servem as placas e as canetas dos velhinhos.  


Um comentário:

  1. Estou adorando seu blog, Eneida! Já estou divulgando! Suas análises são muito interessantes. É cativante a maneira como você expõe as peculiaridades da cultura belga e dá atenção a detalhes que podem passar despercebidos, tanto por turistas quanto pelos habitantes daqui. Beijos, Emilie

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