Ando por Bruxelas e me
espanto com a quantidade de placas, estátuas e demais memoriais aos mortos nas
duas grandes guerras do século XX (a primeira de 1914-1918; e a segunda de
1939-1945).
Passo na frente de
igrejas e vejo listas de nomes em placas de mármore fixadas nas paredes
externas, lá em cima: 1914-1918. (Penso: são padres mortos na guerra? Não, me
disse uma senhora, são os nomes dos fiéis dessa igreja que morreram em batalha).
Nas ruas, vejo todo
tipo de listas e de lembranças. Em uma delas, fixada em um prédio da famosa
Avenue Louise, leio que “em pleno dia, em 20 de janeiro de 1943, este prédio,
covil da Gestapo durante a guerra de 1940-1945, foi bombardeado pelo fogo
vingativo dos canhões do avião do capitão barão Jean-Michel de Selys
Longchamps, do primeiro regimento de pilotos da Real Força Aérea”. Lá em cima,
o símbolo alado da RAF (Royal Air Force), com a coroa britânica. Olho para a
Louise e tento imaginar esse prédio em chamas: não consigo. Tento imaginar as
pessoas correndo na neve para fora dos prédios próximos, os aviões passando, tropas
marchando: não consigo. Mas as placas estão lá para me dizer que é tudo
verdade.
Em frente ao Palácio de
Justiça, há um enorme monumento aos mortos das duas guerras. À frente de
soldados, cavaleiros e até de cachorros, surge uma enorme mulher alada: a paz,
talvez. Ou a glória nacional. Percebo que de todas as guerras que a Europa já
travou, essas duas parecerem ter chocado mais: foram 10 milhões de mortos na
primeira e na segunda as estimativas variam entre 30 e 60 milhões (sendo metade
destes soviéticos)!
Entre tantas memórias e
cicatrizes, me surpreendi quando descobri que até palavras são traumáticas.
Explico-me: minha amiga Elaine pegou o elevador do prédio onde mora e viu
fixado um aviso de reforma da rampa da garagem. Nele dizia: “Aviso aos
ocupantes, a renovação da rampa das garagens começará (... o texto informava
datas e tudo mais....) Obrigada pela colaboração”. Mas a palavra “ocupantes”
foi riscada à caneta e corrigida por “residentes”; assim como “colaboração” foi
riscada e substituída por “cooperação”. Lá em baixo, uma frase: “Nós não
estamos em tempo de guerra”.
Ao que tudo indica, os
traumas e a vergonha de tantos terem sido colaboracionistas com a ocupação
nazista na Bélgica e nos demais países (como a França é um dos exemplos mais
famosos) tornou essas duas palavras impronunciáveis: ocupação e colaboração.
Tenho certeza que o
morador que rabiscou o aviso do elevador é alguém idoso, que viveu aquilo tudo.
Pois nós jovens não fazemos esse tipo de associação, assim como não conseguimos
visualizar o prédio da Louise em chamas: é para isso que servem as placas e as
canetas dos velhinhos.